Por Miguel Pedreira
O fim-de-semana de 27 e 28 de Fevereiro deste ano vai ficar na história recente do país como um dos mais chuvosos de 2010, quando a ilha da Madeira e Portugal Continental foram atingidos por aquilo a que alguns meteorologistas chamaram mesmo de “Tempestade Perfeita”. Chuvadas torrenciais, ventos ciclónicos e um clima extremamente desagradável marcaram de facto esses dois dias, mas não deixa de ser curioso constatar que o mesmo fim-de-semana será lembrado também como o do ponto de viragem no surf nacional, fruto de uma “Tempestade Perfeita” chamada “Impacto do Surf na Sociedade”, um seminário promovido e organizado pelos movimentos cívicos SOS Cabedelo e Surf Cidade, liderados pelo Campeão Nacional de Longboard de 2008, Eurico Gonçalves, (com o apoio da Câmara Municipal local, do Turismo Centro de Portugal, Figueira Grande Turismo e Junta de Freguesia de S. Julião), que convidou alguns surfistas nacionais a pensar, falar e discutir sobre este tema, na cidade da Figueira da Foz.
Eurico gonçalves e Francisco Mendes (um dos embaixadores do Movimento)
E, realmente, muito houve para se ouvir e dizer!
Painel Surf & Economia
(Miguel Pedreira o autor deste texto é o 2º a contar da esquerda)
O primeiro dia, composto por dois painéis distintos, teve como sede o Casino da Figueira da Foz, onde o filho pródigo da cidade, Gonçalo Cadilhe, teve as honras de abertura do painel “Surf e Sociedade”.
Gonçalo Cadilhe (foto Brek)
"surf determinou a pessoa que sou e de alguma forma as escolhas que fiz ao longo da vida"
Logo a seguir, João Capucho, presidente da Associação Nacional de Surfistas, defendeu o seu “Modelo de gestão das Praias”, apresentando um conjunto de soluções práticas para a “atrapalhação” legal que ainda reina no litoral costeiro nacional. Como exemplo, a sugestão de criação de praias municipais ou associativas.
João Capucho (foto Brek)
"a solução que a ANS tem vindo a propor poderia passar pela criação de praias municipais ou associativas"
O terceiro interveniente neste painel foi o primeiro doutorado em surf em Portugal – Miguel Moreira, professor de Educação Física e responsável pela pós-graduação em surf que actualmente existe na Faculdade de Motricidade Humana. Através da apresentação de uma “Metodologia do Treino de Surf”, por si desenvolvida e colocada em prática há alguns anos (com frutos incontestáveis), Moreira clarificou o grau de importância que o surf já tem ao nível científico e o papel pioneiro de Portugal nessa aceitação.
Miguel Moreira (foto Brek)
"Faculdade de Moricidade Humana da UTL é única no mundo no ensino da ciência relacionada com a prática do surf"
Para terminar este painel, João Valente, director da revista Surf Portugal, falou do trabalho que a ONG Save the Waves, à qual está ligado, está a desenvolver na identificação e criação daquilo a que resolveram chamar “World Surfing Reserves”, tendo como base a raridade de uma onda perfeita, a sua relação espiritual com uma comunidade, os seus benefícios económicos e a preservação ambiental de que tanto necessitamos.
João Valente (foto Brek)
"cabedelo (na figueira da foz) é um dos surf spot indicados como possíveis para fazer parte desse World Surfing Reserves"
O segundo painel do dia, que tinha como tema “Surf e Economia”, foi iniciado por António Pedro de Sá Leal, administrador da conhecida empresa de organizações desportivas Alfarroba Amarela, que de uma forma muito pragmática, apresentou uma proposta de turismo de qualidade para Portugal, tendo o surf como pólo dinamizador.
António Pedro (foto Brek)
"Turismo de Portugal não tem informação sobre o potencial do surf para o País"
Como que a corroborar a sua ideia, João Paulo Vieira, Editor de Economia da Revista Visão, foi o orador seguinte, apresentando um estudo seu, recente, sobre “O Poder da Economia do Surf” em Portugal, que revelou um impacto bem acima do esperado.
João Paulo Vieira (foto Brek)
"o surf na europa vale cerca de 1.700 milhões de euros"
Como essas ideias têm de ser sustentadas por uma política de preservação da orla costeira, seguiu-se o jovem Oceanógrafo Luís Leite, que apresentou uma proposta de “Intervenção de Defesa das Zonas Costeiras” através da utilização de recifes artificiais multifuncionais, seguida muito atentamente pelos restantes oradores e público presentes.
"os recifes artificiais apresnetam-se sem duvida como soluções inovadoras na proteção da orla costeira"
Por último, e para terminar o dia em grande, o economista Sérgio Nunes sintetizou uma série de ideias que tinham sido apresentadas até então, na sua intervenção “Surf, Economias e Políticas”, propondo o surf como elemento integrador de valor, através da passagem do interesse individual para o interesse colectivo como forma de chegar à opinião pública e, como consequência, de conseguir os objectivos idealizados. Uma intervenção incrível, bastante aplaudida e aglutinadora!
No Domingo, com a tempestade a continuar a assolar o país, o mote continuava actual e a revelar-se idêntico no Seminário. Apenas com um painel e tendo como moderador o médico local (e surfista pioneiro em Portugal) José Luís Biscaia, o tema escolhido foi “Surf e Cidade”.
"o que é fundamental é ter uma ideia clara do projecto de desenvolvimento que queremos para a Figueira"
O politólogo Pedro Adão e Silva deu início ao painel, resumindo as ideias apresentadas no dia anterior e lembrando que o surf pode também ser entendido como ligação dos portugueses ao mar.
Pedro Adão e Silva (foto Lobo)
"surf pode estar para Portugal o que os desportos de neve estão para os países do centro da Europa. Surf pode ser o novo golfe"
Seguiu-se o cientista Pedro Bicudo, professor de Física das partículas no Instituto Superior Técnico e conhecido mentor dos movimentos Salvem O Surf (SOS), que apresentou o estudo encomendado pela Câmara Municipal de Cascais para o recife artificial a implementar futuramente em S. Pedro do Estoril, propondo a criação de um ou vários “bypass” nos molhes de protecção do Porto da Figueira da Foz como forma de menorizar o impacto que as obras recentes nestes molhes tiveram na formação da onda do Cabedelo, uma das melhores do país, mas fortemente deteriorada neste momento.
Pedro Bicudo (foto Brek)
"para mitigar os efeitos nocivos do prolongamento do molhe norte na onda do cabedelo, pode-se apostar na criação de um bypass"
O orador que se seguiu é conhecido no mundo do surf profissional mundial como “The Coolest Mayor on Tour”. António José Correia, presidente da Câmara Municipal de Peniche, mostrou como a definição prévia de uma estratégia para o desenvolvimento do seu concelho tendo o surf como base (as ondas, afinal, são algum do seu maior património!) contribuiu para um desenvolvimento efectivo de Peniche, para a sua cada vez maior mediatização e para o regresso de uma etapa fixa do principal circuito mundial de surf para Portugal, após uma ausência de oito anos. Um exemplo bem documentado e muito concreto!
António José Correia (foto Brek)
"Peniche teve que escolher entre ter um porto de águas profundas ou manter uma onda que vale milhões. Escolheu a onda"
Por último, numa apresentação bastante descontraída e divertida mas muito bem documentada, o arquitecto local Miguel Figueira apresentou “Uma Proposta para a Figueira da Foz” que deixou todos os que assistiram a este Seminário boquiabertos, quer pela sua visão, quer pela sua actualidade. Com projectos concretos e com base na interpretação da legislação existente, Miguel Figueira propôs, entre outras coisas, a criação de um Centro de Mar na Margem Sul do Rio Mondego, por oposição ao Centro Urbano da Margem Norte, ligados por um teleférico panorâmico que servisse os interesses de turistas, surfistas ou de qualquer outro tipo de cidadãos. Estabelecendo uma rede de parcerias com todos os municípios da Zona Centro (nomeadamente com os de Montemor-o-Velho e Coimbra), esta proposta tem como objectivo ajudar a restabelecer a Figueira da Foz como pólo dinamizador de uma região com condições ímpares para o Turismo de Natureza. Pela sua originalidade e papel visionário, Miguel Figueira foi aplaudido de pé por todo o auditório, o que diz bastante sobre a eventual aceitação da sua proposta!
Miguel Figueira (foto Brek)
"construção do teleférico pode ser a custo zero. Basta gerir os diferentes interesses e congregar os diferentes stakeholders"
Perante uma unanimidade destas, restou ao Dr. Pedro Machado e ao Dr. João Ataíde, respectivamente presidentes do Turismo Centro de Portugal e da Câmara Municipal da Figueira da Foz, encerrarem este Seminário reiterando o seu apoio ao projecto, demonstrando vontade de explorar e desenvolver as ideias nele presentes e afirmando o valor do “surf como alavanca para o desenvolvimento futuro”, como lembrou o primeiro. Da região e do país, acrescentamos nós.
João Ataide, Eurico Gonçalves, Pedro Machado (foto Brek)
Em jeito de conclusão, resta dar os parabéns aos movimentos cívicos SOS Cabedelo e SurfCidade pela capacidade de mobilização, rara nos dias que correm, na organização de um encontro que teve a capacidade de reunir um grupo de pessoas que pensam sobre o surf e se interessam pelo seu futuro como algo capaz de mobilizar uma nação. A “tempestade” dali emergente vai seguramente dar que falar e marcar uma nova fase no desenvolvimento do surf nacional – a da maturidade. Arriscamo-nos mesmo a dizer que o fim-de-semana de 27 e 28 de Fevereiro de 2010 virá a ser conhecido como o “ponto de charneira” para o surf português, a partir do qual tudo mudou, pois seguramente nada será como dantes. Mais para o bem do que para o mal, queremos acreditar! Ou não fossem todos os oradores (TODOS mesmo!) surfistas convictos, com capacidades para ajudar a desenvolver o país de um ponto de vista mais... “holístico”, digamos assim. Parafraseando o arquitecto Miguel Figueira, “há competências no mundo do surf para isso!” E para muito mais!...
Miguel Figueira (foto Brek)
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