A relação entre a terra e o mar é um dos desafios à sustentabilidade do planeta e ao modo como o habitamos. A nossa reflexão coletiva, tantas vezes filiada apenas à terra, não pode deixar de contribuir para reconfigurar as formas de relação entre estes dois mundos, reestabelecendo simbioses e equilíbrios fundamentais para o futuro. O movimento de cidadãos SOS Cabedelo surge em 2009 na sequência do prolongamento do molhe do porto da Figueira da Foz, na comunidade surfista local preocupada com o impacte daquela obra na deriva sedimentar litoral.
O trabalho do SOS Cabedelo destaca-se pela mobilização do conhecimento formal e informal na compreensão e leitura do território, sem distinção entre mar e terra, analisando os fenómenos terrestres a partir das dinâmicas marítimas, e vice-versa. Isso permitiu-lhe, acompanhado por uma equipa multidisciplinar alargada, apresentar uma solução técnica alternativa à infraestrutura pesada dos molhes para resolver a transposição sedimentar na foz do rio Mondego, protegendo a navegação do porto da Figueira e reconfigurando a relação entre a cidade e o mar. Essa proposta, cujo elemento central é a instalação de um bypass para reestabelecer a deriva litoral de sedimentos, tem sido acompanhada de um amplo debate público, afirmando a cultura do mar, da arte-xávega ao surf, como elemento mobilizador da compreensão das comunidades e da participação cidadã. Trata-se de um processo social enraizado no lugar, mas capaz de apresentar uma consciência ampliada das transformações físicas no meio natural.
O projeto e a mobilização ativada pelo SOS Cabedelo na Figueira da Foz foi distinguido, em 2011, pela iniciativa MovimentoMilénio, dando ao debate uma atenção nacional. Em 2012 forneceu elementos de referência para a revisão do Plano de Ordenamento da Orla Costeira e, em consequência, para a inscrição de ondas específicas no Plano Estratégico Nacional do Turismo, em 2013, e finalmente no Programa da Orla Costeira 2015-17. A sua atuação tem vindo a ser ouvida no âmbito de audiências da Comissão Parlamentar do Ambiente em 2017, 2018 e 2019, na definição de uma política de proteção costeira que vise a reposição do ciclo sedimentar do mar, por oposição à estratégia das obras pesadas contra o mar. Em 2021, o Estudo de Viabilidade da Transposição Aluvionar das Barras de Aveiro e da Figueira da Foz, promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente, vem reconhecer que a solução do «Bypass» é técnica e economicamente viável, sendo também a que apresentará melhores resultados comparativamente a sistemas alternativos. Um sistema que terá impacto direto na alimentação da duna hidráulica que protege a costa da erosão, desde Aveiro até ao fim da célula sedimentar, no Canhão da Nazaré.
O contributo do SOS Cabedelo, para além da mobilização do saber disciplinar e do desenvolvimento de soluções técnicas alternativas, tem-se manifestado na participação cidadã e na mobilização da população. Contributo que, com a exposição O Mar é a Nossa Terra, em Lisboa 2020-21, em Nice 2021-22 e na Figueira da Foz 2023-24, tem contribuído para a difusão da compreensão dos fenómenos subjacentes à transformação do território na sua relação com o mar, e da sustentabilidade do quotidiano de todos.