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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Consulta pública PRR

Contributo para a integração do mar. Recuperação da resiliência da costa.

Ao contrário da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030 de António Costa e Silva, onde o mar é um desígnio maior, no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o mar é o grande ausente. Subsiste o Cluster do Mar nos Açores, mas perde-se a inscrição como “um ativo crucial do território, da soberania, da economia e do desenvolvimento do país”. Perde-se também a inscrição do primeiro espaço natural global - o mar - no momento da revisão do paradigma de consumo e relacionamento com o ambiente que esta crise pandémica suscitou.  

Portugal, que se destaca no contexto Europeu pelo significativo conjunto de áreas expostas aos impactos das alterações climáticas, designadamente pela forte pressão humana sobre a costa (concentração demográfica e de produção de riqueza) e pela vulnerabilidade dos sistemas marinhos do litoral baixo e arenoso, assiste à repetição da devastação da costa com a intensidade e o ritmo das tempestades, a cada inverno que passa. Adia sistematicamente uma abordagem integrada ao problema da proteção costeira com intervenções avulsas, delapidando os recursos que nos afastam de uma resposta capaz de garantir sustentabilidade ao sistemaProblema que se agrava num “cenário expectável de mudança climática”, como bem evidenciado no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), com a subida do Nível Médio Global do Mar (NMGM) a agravar a erosão, a frequência e a intensidade dos galgamentos oceânicos.

 

A devastação provocada pelo furacão Hércules no início de 2014 abriria o espaço à reflexão do Grupo de Trabalho do Litoral (GTL), criado pelo Despacho 6574/2014 de 20 de maio de 2014. O relatório de dezembro do mesmo ano, releva especial atenção à gestão integrada da zona costeira em horizontes de tempo alargados (até 2100), considerando os impactos potenciais da mudança climática antropogénica, especialmente no que se refere ao impacto da subida do NMGM, recomendando que na proteção costeira se privilegiem medidas de reposição do equilíbrio sedimentar. Recomenda que estas medidas incluam inicialmente alimentações pontuais de elevada magnitude em locais críticos e que se adotem processos ou sistemas de transposição sedimentar nas principais barras portuárias e, em particular, nas barras de Aveiro e da Figueira da Foz. Propõe que se proceda à avaliação de sistemas de transposição sedimentar – sand bypass.

 

Trata-se de proteger a costa com as areias que descem ao longo da mesma, ajudando-as a ultrapassar os molhes de proteção das barras portuárias onde ficam retidas.

 

Em março de 2017 a Resolução da Assembleia da República n.º 64/2017 inscreve, na recomendação ao Governo, a urgência da realização dos estudos conducentes à implementação de um sistema que possa garantir a sustentabilidade às operações de transposição sedimentar. Em agosto, o Programa da Orla Costeira (POC) Ovar-Marinha Grande, que abrange os troços críticos da célula sedimentar entre o Douro e o Mondego, designadamente os territórios mais vulneráveis em torno da Ria de Aveiro, enquadra na ordem jurídica por via do ordenamento territorial as recomendações do GTL. O POC inscreve os valores estimados para as operações de reequilíbrio sedimentar, perspetivando a sustentabilidade do sistema de proteção costeiro a longo prazo - 2100. Em 2019 a Agência Portuguesa do Ambiente contrata a elaboração do estudo “Estudo de Viabilidade da Transposição Aluvionar das Barras de Aveiro e da Figueira da Foz” que terá sido entregue entre o final de 2020 e o início de 2021.

 

O furacão Hércules trouxe a tempestade perfeita na medida em que, ao expor as fragilidades de um sistema de proteção costeiro contra o mar, providenciou a oportunidade para uma revisão favorável à reposição do equilíbrio sedimentar. Sete anos volvidos, em 2021, é a presente crise a providenciar a possibilidade de financiamento para a recuperação da resiliência dos sistemas costeiros, através do PRR. Uma nova tempestade perfeita a trazer a oportunidade para a alteração do nosso relacionamento com o mar, no exato momento em que estão reunidos os instrumentos e o consenso técnico/político para avançar. Oportunidade também para a descarbonização das obras marítimas - afastar o betão das frentes de mar e repor a capacidade resiliente necessária à sustentabilidade dos sistemas costeiros. Momento para o aprofundamento do “european green deal” com a implementação de um sistema de proteção costeiro que integra o mar na solução - work with nature - no país que deve apostar no mar para o seu reposicionamento no quadro global.

 

Como bem refere António Costa e Silva: “Tudo deve repousar numa nova relação com o mar [...]. O país deve intervir no mar com base no conhecimento e na tecnologia, mapeando e protegendo os ecossistemas e preservando a biodiversidade que é o nosso seguro de vida no planeta.”


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